segunda-feira, 5 de julho de 2010

A misteriosa canção "real"...


Nos disputados shows da turnê em que celebrou seus 50 anos de carreira, Roberto Carlos faz uma pausa logo após a orquestra do maestro Eduardo Lages executar os últimos acordes de Caminhoneiro. O Rei permanece quieto por uns instantes enquanto o público, principalmente o feminino, teima em quebrar o silêncio: Robertoooo! Você é tudo!. Num tom de voz mais baixo que o habitual, o intérprete recomeça o espetáculo com uma explicação: Gostaria de ter escrito somente canções sobre amores bem-sucedidos, mas a vida não é assim. Esta eu compus num momento de muita tensão, a coisa estava realmente brava. Em seguida, apresenta Do fundo do meu coração.

A música, pouco conhecida, descreve o fim dramático de um relacionamento afetivo: Vi todo o meu orgulho em sua mão/ Deslizar, se espatifar no chão/ Vi o meu amor tratado assim/ Mas basta agora o que você me fez/ Acabe com essa droga de uma vez/ Não volte nunca mais para mim. Quando Roberto termina de cantar, boa parte da plateia se pergunta: para quem, afinal, ele escreveu a letra? O artista, no entanto, esquiva-se de desvendar o mistério.

Feita em parceria com Erasmo Carlos, Do fundo do meu coração integra um dos vários álbuns que levam o nome do "Rei", o de 1986. Geralmente, os discos do cantor reúnem o repertório criado ao longo dos dois anos que antecedem a gravação. Tudo indica, portanto, que a composição seja de 1984 ou 1985.

Na época, Roberto ainda estava com a atriz Myrian Rios. Eles se conheceram em 1979 e ficaram juntos até 1989. Sabe-se que, para a então companheira, o "Rei" fez Símbolo sexual e outras odes do gênero. Será que também se inspirou nela quando concebeu a música enigmática? O casal teria brigado naquela ocasião?

O historiador Paulo Cesar de Araújo - autor de Roberto Carlos em Detalhes, a biografia que a Justiça impediu de circular por solicitação do próprio "Rei" -, manifestou especial interesse pela música enquanto redigia o livro. Pesquisei muito e cheguei à conclusão de que a letra não se baseia em fatos reais nem condiz com o período bom que o cantor e Myrian atravessavam.

Bom, destinada à Myrian Rios ou não, trata-se de uma canção cuja estética é um primor.

Por Sheyla Miranda.
Adaptações: Murillo Pompermayer.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Aniversário "real"...


Há 69 anos, o dia 19 de abril se tornou um dia especial na folha do calendário de cada um de nós. Vem a comemoração de mais um ano que passamos juntos ao lado de Roberto Carlos, o maior cantor popular do Brasil. Só quem acompanha RC sabe que palavras como Emoções e Detalhes ganham dimensões diferentes, são somente um verbete de onde são desenroladas linhas melódicas e letras escritas com delicadeza e simplicidade. Afinal, Roberto Carlos é um artista paradoxal. Um "Rei" aclamado pelo povo, mas um "Rei" que não aceita o título com soberba, um "Rei" que só aceita o "epíteto" como um carinho, um carinho de amigo.

Aliás, um carinho de amigo de fé e de irmão camarada, que um dia disse que queria ter um milhão de amigos. Mas que de repente passou a casa do milhão e chegou aos milhões de amigos. Milhões de pessoas que viram na sensibilidade de um artista a capacidade de ele ser perfeito em todas as suas imperfeições. Roberto Carlos tem os erros de seu português ruim, pois, como diz Nelson Rodrigues, não acredito em brasileiro que não tenha erro de concordância. Mas ele sabe acertar cuidadosamente as palavras, até mesmo as palavras que ele não sabe dizer.

Em letra e música, o universo inteiro viu até onde o amor é capaz de chegar. Da loucura de um amor em descoberta, passando pela sensualidade entre quatro paredes até chegar à serenidade de um amor sem limite. Amor que vai além dos horizontes de um casal. Amor à natureza, à fé, aos filhos, aos amigos. Todos nós começamos a nos sentir filhos do seu Robertino, e graças a ele passamos a chamar nossos pais de meu querido, meu velho, meu amigo. Todos nós passamos a ter vontade de ser novamente um menino, e de chamar carinhosamente nossa mãe de Lady, como foi com Lady Laura.

Hoje começam os 69 anos de vida de Roberto Carlos. Festa um pouco mais triste, pois da estação partiu o trem que leva Lady Laura. Ela não pôde continuar na festa de RC. Mas, sem dúvida, todos nós estamos aqui hoje para abraçar bem forte o aniversariante. Cada um de nós sabe que um fã tem toda sinceridade quando deseja muitas felicidades e muitos anos de vida para o artista que admira há muito, muito tempo.

Por Vinícius Faustini.

sábado, 2 de janeiro de 2010

1972: de fato conceitual?


Há quem questione sobre o fato de o disco de 1972 ser conceitual ou não. Obviamente, é.
Um disco conceitual, como o próprio nome caracteriza, gira em torno de uma idéia, de um conceito artístico. Produto típico do final dos anos 60 e dos anos 70, tem elementos artísticos sintonizados com o conceito que vão desde a capa. Enfim, estranhamente para quem considerar a postura que adotou hoje, em 1970, 71, 72, Roberto Carlos estava querendo se deitar no divã e dividir com seu público todas as suas questões existenciais. Tendo uma história de vida muito rica em detalhes, com uma pitada até grande de sofrimento, o material que tinha era farto.

Não acredito que ele tenha composto esse material de uma só levada, tanto que o disco de 71 já tinha Traumas e acenava para esse caminho. Mas, para o disco de 1972, ele tinha um bom material, que permitiria a construção desse disco. A produção de um trabalho assim envolve toda uma máquina. Uma gravadora, com seus executivos, A&Rs, arranjadores, produtores, etc. E Roberto tinha Evandro Ribeiro, que o ajudou a construir esse trabalho.

Vamos às palavras do jornalista e crítico musical, Pedro Alexandre Sanches: Quem comprasse o RC versão 1972 nas lojas decoradas de Natal teria a impressão de estar levando Jesus Cristo para casa. Vinha ornado por uma das mais belas e pungentes imagens de capa de disco que o Brasil deve ter sempre conhecido. Novamente em tons sóbrios (nesse caso, em estrito preto-e-branco), ela ostentava em close um RC de longos cabelos encaracolados, olhos fugidios deslocados para baixo e à direita e uma expressão de profunda tristeza, que ia do modo de olhar ao contorno grave dos lábios. Não havia cruz ou coroa de louros, mas era quase uma imagem sacra, um fetiche de consolo que acalmasse a alma do observador como o fariam as contas de um terço ou o ascetismo de um confessionário.

O louvor assustado de RC a Jesus construía a imagem de um espelho. Ao amar Jesus, o homem daquela fotografia amava a si mesmo, lotado de misericórdia. Ao amar a imagem límpida daquela fotografia, o consumidor daquele disco amava Roberto Carlos e Jesus Cristo, e, em imagem, amava a si mesmo, cheio de pena deles e por si. Amando-se a si mesmo, saía do anonimato e se tornava popstar, divindade religiosa, as duas coisas ao mesmo tempo. E assimilava as obrigações, culpas, dogmas, dós e medos que tal associação implicava, e que vinham expostas não só no olhar abandonado do totem, mas nas linhas musicais e textuais de todo o disco.


Olha aí: conceitual. Na minha opinião, o prenúncio dessa famosa capa está no final do filme Roberto Carlos a 300 km/h, onde, na sequência final, rejeitado pela mocinha, Roberto, ao som de De tanto amor, exibe um semblante de imensa tristeza e solidão. Alegrando-se depois pelo casamento de Erasmo e, "chaplinianamente", partindo, enquanto sobe a grua da câmera. Filmes à parte, e ampliando muito mais seu raio de ação, Roberto parecia pensar muito no ilógico, no paradoxo entre o que vivera até ali e sua situação de ídolo.

A infância pobre em Cachoeiro, a condição de deficiente físico adquirida após o famoso acidente onde foi colhido por um trem (estranho pensar que o maior símbolo sexual da história da MPB, num país que cultua o corpo além dos limites, é um amputado), a luta para se tornar cantor, a condição de ídolo de um povo reprimido pela ditadura, as rejeições, os amores difíceis, os problemas de saúde do filho... Tudo isso pesava no "Rei", naqueles tempos. Pensando bem, em 1969 ele já estava assim. Acho que o que fez Roberto sair daquela alegria e daquele "olimpo popstar" foram os problemas de Segundinho, hoje Dudu Braga, e lá estava As flores do jardim da nossa casa. E 72 foi o auge.

Neste álbum, músicas coerentes, amarradas pelo tema da confusão, da incerteza, da insegurança sobre seguir convenções sociais ou transgredir em nome da felicidade pessoal, da luta por amores difíceis, alimentada por Antônio e Mário Marcos e sua Como vai você, e, principalmente, a prova de que nem só de alegria vive o "Rei" do Brasil, "remexendo no baú" e se lembrando de um distante (ou nem tanto) 29 de junho de 1947, cuja recordação lhe vem todos os dias pela necessidade de uso de uma perna mecânica.

Todos trabalharam, nesse disco, para definir bem essa imagem. Os arranjadores americanos criaram texturas "nubladas", nuances barrocas, imagens sonoras muitas vezes cinematográficas, explicativas (O divã é repleta disso). Os engenheiros de som deixaram o disco com uma sonoridade um tanto quanto velada, "escurecendo as nuvens". E a voz? Ao contrário dos berros do passado imediato e das inflexões soul, Roberto vem cantando manso, procurando seus agudos (coisa que nunca mais faria), criando uma sensação de cantar "ao pé do ouvido" de seu público, sem se deixar alterar pela tristeza, sem espasmos (mas mostrando uma longa convivência, uma absorção a ela), faz um convite quase irrecusável a que todos lhe ouçam e prestem atenção no que queria dizer.

Enfim, tudo conspirou para que essas idéias funcionassem. A CBS trabalhou muito bem, e o produto é esse. Não é conceitual?

Por Alexei Michailowsky.
Adaptações: Murillo Pompermayer.